sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sair a Navegar

Saí a navegar ...
Quando alguém se afasta de seu local habitual às vezes é costume deixar um aviso ou um recado. Isto é válido especialmente para pessoas que atendem em algum ponto determinado. Assim todos sabem que está ausente.
Acho que quem navega deveria fazer o mesmo.
Mesmo numa navegada curta, de três dias -- desta vez o Comandante Portinho abriu mão de suas idas a Jaguarão e aos recantos da Mirim, para ficar dentro do São Gonçalo.
Mas é tempo suficiente para ser procurado e não ser encontrado assim como, algo característico quando se sai a navegar, para se ter também restringida a capacidade de comunicação. Isto, confesso, sempre me preocupa um pouco.
Três dias sem telefone, sem internet! E sem computador!
Como estou sempre escrevendo uma coisa ou outra terei de recorrer à caneta e ao papel.
E tem mais: são três dias sem televisão, sem a comida caseira, sem os pequenos e os grandes confortos de casa. E sem a mulher, sem os filhos... Os animais de estimação também podem nos fazer falta. De um certo modo é como se o mundo, o nosso pelo menos, ficasse para trás...
Mas pode ser que , ao retornar com a barba por fazer e um pouquinho mais magro, pelo menos os filhos nos vejam como um navegador arrojado.


Aliás, quando penso nas longas navegadas, navegadas que nunca fiz nem farei, confesso que antes as admirava, agora, pouco a pouco, começo a não entendê-las.
Posso até ter interesse, como ainda tenho, mas entender começo a ter dificuldade.
No último dia 19 de maio, por exemplo, o indiano Dilip Donde completou à volta ao mundo solo.
Ele levou 9 meses e teria sido o 175ª velejador solo a fazer o feito desde Joshua Slocum entre 1895 e 1898.
Centuagésimo septuagésimo quinto velejador!
Logo estaremos comemorando quinhentos, depois mil, sabe Deus quantos à falta de coisa melhor para fazer. É uma espécie de massificação da volta ao mundo em solitário. Agora a variante mais recente é incentivar voltas de garotas adolescentes.
A experiência deve ser inesquecível e tem permitido aos candidatos uma relativa fama ao se incluírem na lista das grandes Aventuras no Mar.
Talvez lhes propicie também encontrar a Deus ou desistir de procurá-Lo. Podem até não voltar e se perderem sem serem resgatados. Ou, ao voltar, apenas encontrar os mesmo amigos, os mesmos filhos e a mesma mulher. Se ela ainda estiver esperando, é claro.
Às vezes fico me lembrando destes navegadores solitários, parece que hoje sempre há algum pelo oceano, tentando imaginar o que estão fazendo, o que estão pensando.
Talvez estejam simplesmente dormindo ou sonhando com um banho quente ou uma refeição bem preparada enquanto são conduzidos pelo piloto automático ou pelo leme de vento perdidos em meio ao mar.
Sem chegar a nenhuma conclusão sobre estes temas lembro-me, antes de sair, que tenho que tomar algumas pequenas providências, coisas que não posso esquecer de levar, meu travesseiro, meu chapéu de aba larga e a máquina fotográfica.
Detalhes que me façam sentir mais perto de casa ou que me permitam ter o que contar quando voltar.
Chegando no barco pulo para dentro e deixo o mundo para trás.
Saí a navegar.